Especialistas em recursos humanos,
executivos e leitores da VOCÊ S/A (Editora Abril) dizem por que empresas
toleram profissionais destrutivos e como não se deixar contaminar por eles
Um chefe tóxico contamina todo o ambiente com seu comportamento. Ele é
aquele que nega, com atitudes, os valores da empresa em que trabalha. Ele não
conhece o limite que separa a pressão por resultados da falta de respeito pela
equipe. Ele desrespeita as pessoas no tom de voz, no discurso, no excesso de
centralização e na incapacidade de fazer com que elas cresçam. A especialidade
do chefe tóxico é dar ordens, sem se preocupar com o coletivo.
A ele falta a capacidade de liderar e inspirar pessoas. Um chefe assim
não é modelo para ninguém. Ele não atrai nem retém os melhores talentos na
própria equipe porque simplesmente sufoca e anula o que seus funcionários têm
de melhor. Quem tem um chefe tóxico conhece os estragos que essa relação pode
trazer para a saúde, para a carreira e até para a empresa que aceita esse tipo
de comportamento.
Contudo, tanto quem responde para um profissional com esse perfil quanto
quem só ouviu dizer que ele existe não entende muito bem por que, afinal, as
empresas ainda toleram essas pessoas. Para responder a essa pergunta — e também
para apontar o melhor caminho para quem não quer ser envenenado por um chefe
assim — VOCÊ S/A reuniu, no mês passado, especialistas em gestão de pessoas,
executivos e leitores da revista para discutir o assunto. Você pode ver quem é
cada um dos convidados nas páginas anteriores. O resultado da discussão você
confere ao longo desta reportagem. Nas laterais das páginas, em verde, você
ainda encontra a sugestão dos especialistas para resolver casos reais de chefes
tóxicos relatados por leitores no Malhe Seu Chefe, do site da VOCÊ S/A.
1 . DILEMAS NOCIVOS
Para começar, a
resposta dos convidados à nossa questão inicial é que chefes nocivos são
mantidos nas empresas por dois fatores principais: o resultado que entregam e a
invisibilidade que suas toxinas podem ter para quem não está sob o mesmo
guarda-chuva. "As empresas toleram
pessoas com comportamento inadequado porque elas entregam resultados no curto
prazo", diz Felipe Westin, diretor da área de desempenho organizacional da
Right Management.
“O que ocorre muitas vezes é
que, com a desculpa de buscar resultados a qualquer custo, os chefes
ultrapassam a linha tênue que separa a pressão por resultados do desrespeito à
dignidade humana”, diz Marco Tulio Zanini, professor da Fundação Dom Cabral, de Minas
Gerais. “Avançar essa linha é inadmissível em qualquer circunstância.” O
problema é que os limites de conduta se tornam ainda mais frágeis em um ano de
crise econômica. Segundo um estudo da consultoria McKinsey, mais de 80% dos
executivos reportam que as empresas onde trabalham estão mais focadas em
resultados de curto prazos, mais rigorosas a aprovação de custos e ainda
passaram a controlar as atividades com maior freqüência. É o cenário ideal para
a ocorrência de abusos, conscientes ou não.
Há uma boa notícia, no entanto. Apesar de toda competitividade e guerra
para crescer, as companhias começaram a perceber que acolher pessoas tóxicas
nem sempre é bom negócio. “Antigamente,
os funcionários eram avaliados apenas pelo resultado que alcançavam. Hoje, o
comportamento também compõe a avaliação de desempenho”, diz Felipe, da
Right. “A promoção de um profissional
depende também de sua atitude e da forma como lida com as pessoas.”
Basicamente, as empresas começam a perceber que, no longo prazo, os
chefes tóxicos geram destruição. “As companhias aprendem que os resultados apresentados por esses
profissionais não são sustentáveis”, diz Maria Lúcia Ginde, diretora de
recursos humanos da Kimberly-Clark. A falta de sustentabilidade a que ela se
refere está relacionada à continuidade do negócio e também das equipes.
Um dos maiores sintomas da contaminação do ambiente, aliás, é a perda
dos melhores profissionais de uma equipe. Um chefe tóxico não é capaz de reter
talentos — um recurso caro para as empresas. “Mesmo que tenha funcionários capacitados, um chefe desses tem o dom de
desmotivar um a um, utilizando as ideias do grupo para se auto-promover”, diz Thiago
Grossi, de 29 anos, coordenador de suprimentos corporativo da International
Paper. “Felizmente, hoje em dia, a
sociedade está mandando para dentro das organizações pessoas que não deixam que
façam com elas o que outras gerações deixaram”, diz Rolando Pelliccia, diretor do
Hay Group.
2 . CHEFE OU LÍDER
“Quem tem um cargo de
chefe e não sabe liderar não vai alcançar resultados no longo prazo”, diz
Rodrigo Drysdale, diretor de marketing da Warner Bros. Para ele, o que difere o
chefe do líder é que o primeiro dá as ordens e o segundo sabe motivar e serve de
exemplo para toda a equipe.
“O chefe tóxico traz resultados a qualquer custo, pensando no curto prazo e
muitas vezes comprometendo o longo prazo”, diz Claudia Elisa Soares,
diretora de RH do Grupo Pão de Açúcar. Por outro lado, o líder é aquele que
inspira, que obtém resultado fazendo com que todos dêem o melhor de si numa
relação de ganha-ganha com a empresa. Para Rolando, do Hay Group, o ideal para
qualquer companhia é ter o chefe e o líder na mesma pessoa. “Para o RH, é uma decisão difícil
abrir mão de um funcionário que entrega. Mas chega um momento em que é
inevitável”, diz Maria Lúcia, da Kimberly. “Já vivi isso muitas vezes. A opção por demitir esse tipo
de pessoa ocorre quando a empresa enxerga a destruição que ela causa”, diz.
3 . VENENO INVISÍVEL
O que ocorre muitas vezes é que as organizações demoram demais
para perceber a destruição causada por maus gestores. Nem sempre o veneno é
visível a ponto de incomodar quem não está sob o mesmo guarda-chuva. É a tal da
invisibilidade o segundo fator que leva muitas companhias a tolerar pessoas com
esse perfil de comportamento. Em casos assim, quem se sente prejudicado precisa
dar sinais claros da sua intoxicação. Uma atitude difícil — e arriscada — em
grande parte dos casos. Luciara Batista Lubrand, de 25 anos, que o diga.
Formada em pedagogia, ela trabalhava havia três anos numa grande instituição
financeira quando decidiu dar um feedback
ao seu gestor antes de sair de férias. “O clima na agência estava insuportável e eu achei melhor
dizer isso ao chefe. Quando voltei ao trabalho, fui demitida”, diz
Luciara, que trabalhava como assistente da gerência. Embora não tenha surtido o
resultado esperado, a atitude que Luciara tomou, de tentar uma comunicação
direta e franca com o gestor, é a mais recomendada pelos profissionais e
especialistas que participaram da mesa-redonda e ouviram o seu relato. Os nove
participantes foram unânimes ao dizer que os profissionais que querem aprender
a lidar com um chefe tóxico devem tentar estabelecer um diálogo sincero — e
cheio de tato — com ele. “Eu já dei um feedback
a um gestor e o resultado foi positivo para todos. Foi o contrário do que
ocorreu com a Luciara”, conta Thiago, da International
Paper. “Muitas vezes o chefe
não sabe que está fazendo mal para uma equipe,” diz Rodrigo, da Warner
Bros, que também já sofreu nas mãos de um chefe tóxico, que chefiava pelo
terror, e não pela motivação. Claudia Elisa, do Grupo Pão de Açúcar, concorda: “Conheço muito gestor que não tinha
noção do impacto que causava nas pessoas até que alguém tomou coragem e falou
para ele”.
4 . GESTÃO DE RISCO
Claro que, antes de tomar a decisão de falar com o chefe tóxico
sobre a destruição que ele causa, você deve considerar os riscos que corre.
Quando se trata de uma pessoa com esse perfil, é grande a possibilidade de você
sofrer uma retaliação, como a que Luciara recebeu Avalie seus propósitos e seus
objetivos. Vale a pena investir num diálogo que possivelmente será desgastante
para tentar reverter a destruição que seu chefe causa? Você realmente quer continuar
na equipe, na área e na empresa? Se estiver numa companhia pequena, com poucas
chances de crescer e tiver desempenho acima do padrão dela, é melhor nem pagar
para ver. Para esse caso a recomendação é, de cara, buscar uma recolocação. Se,
ao contrário, você achar que vale o esforço, a recomendação é dizer
cuidadosamente como o comportamento do chefe tem impacto sobre você — pessoal e
profissionalmente. A conversa deve ser cautelosa e baseada em fatos. Não vá
apenas com impressões. Reúna exemplos do comportamento do chefe e do desgaste
que ele gerou.
5 . FALTA DE CONFIANÇA
Embora seja a recomendação número 1 dos especialistas, nem
sempre é viável falar diretamente com um chefe tóxico sobre os problemas que
seu comportamento causa. Além disso, nem sempre uma conversa difícil como essa
surte algum resultado. “Se o gestor não
estabelecer confiança com a equipe, dificilmente alguém vai ter abertura para
uma conversa dessas”, diz Marcelo de Lucca, diretor da Michael Page, empresa
especializada em recrutamento de executivos. Para casos assim, a recomendação é
recorrer aos canais de denúncia anônima, que muitas empresas mantêm para apurar
casos de mau comportamento.
“As denúncias são encaminhadas à área de RH, que tem o papel de guardiã da
cultura e dos valores da companhia”, diz Claudia Elisa, do Grupo
Pão de Açúcar. Depois de averiguar a denúncia, o RH deve buscar o gestor do
chefe denunciado para obter informações. “Perguntamos se ele já notou alguma coisa. Normalmente,
ele já tem conhecimento da ‘toxicidade’ do funcionário”, diz
ela. Se a denúncia anônima também não surtir resultados, ou se a empresa não
tiver um canal desse tipo, talvez seja o caso de levar o problema à área de
recursos humanos. Essa possibilidade existe desde que o RH da sua empresa seja
de fato uma área preocupada com o bem-estar das pessoas. Se ainda for um setor
burocrático, nem adianta considerar a ideia. “Em muitas empresas, o RH ainda cuida da folha de pagamento
e não tem poder para encarar um problema assim, que prejudica a empresa como um
todo”, diz Felipe Westin, da Right. Se não houver opção, há a
possibilidade de levar o problema diretamente ao chefe do seu chefe. Essa
decisão pode ser ainda mais arriscada do que a primeira — a de falar
diretamente com o tóxico. Não basta ter tato para conduzir a conversa. É
essencial avaliar a cultura da organização, saber se ela aceita que um
funcionário tome esse tipo de atitude. “Fazer um by-pass
no Brasil é muito complicado, porque quebra a lealdade, prejudica a imagem”, diz
Felipe, da Right Management. “No
Brasil, as relações são baseadas em lealdade pessoal, não em confiança. Quando
você toma uma atitude dessas, quebra a lealdade e passa a ser visto com
desconfiança”, diz Marco Tulio, da Fundação Dom Cabral. Quanto mais
hierarquizada for sua corporação, maiores são as chances de essa atitude ser
mal interpretada. Em ambientes informais ela tem mais chances de ser bem
aceita.
6 . PROMOÇÕES TORTAS
De qualquer forma, antes de fazer esse movimento, vale lembrar
que, muitas vezes, seu chefe chegou à posição que ocupa pelas mãos do gestor
dele. Ou seja, ao demiti-lo, o gestor do tóxico deve assumir que errou. “Se for esse o caso, o gestor pode
tentar proteger o tóxico para não demonstrar sua incompetência na escolha e na
promoção desse profissional”, lembra Felipe, da Right Management. O
erro de promover excelentes técnicos a cargos de chefia é mais comum do que
imaginamos, mesmo em grandes empresas. Muitas vezes, as companhias promovem as
pessoas antes da hora, pelo potencial que têm. Depois, precisam correr atrás de
treinamento para que elas desenvolvam competências de liderança e gerenciamento
de pessoas. “Eu mesma já recrutei
pessoas erradas para cargos de liderança e tive de demitir depois. Errei também
porque demorei para demiti-las”, diz Maria Lúcia, da Kimberly-Clark. “Muitas vezes uma promoção errada
faz com que a empresa perca um excelente técnico para ganhar um péssimo gestor”, diz
Marcelo, da Michael Page.
7 . NINGUÉM NASCE GERENTE
Qualquer que seja o meio de denúncia utilizado, o primeiro
objetivo do profissional é fazer com que esse chefe receba um feedback e mude seu comportamento. Mas
será que um tóxico tem recuperação? Segundo Rolando, do Hay Group, depende do
tipo de veneno. “Se o mau
comportamento for baseado em atitudes antiéticas, esse indivíduo não tem
recuperação e não deve ter outra oportunidade.” Comportamento que cria
assédio sexual é outro que não tem salvação. “Minha experiência mostra que, no máximo, 10% ou 20% das
pessoas que têm problemas sérios de comportamento conseguem mudar”, diz
Felipe, da Right Management. Quando se trata apenas de um gap de competência do chefe, a situação pode ser reversível. Por
exemplo, quando ele é uma pessoa de confiança e até é bem intencionada, mas não
deixa os subordinados crescerem — o que é um comportamento tóxico —, essa
característica pode ser revertida com treinamento e coaching. Segundo Maria Lúcia, da Kimberly- Clark, cabe ao RH
oferecer apoio.
8 . FIM DE CASO
Se você já tentou de tudo, se já demonstrou sua insatisfação e
os impactos do mau comportamento de seu chefe e não obteve retorno — ou até
conseguiu retorno, mas não viu a situação mudar —, é mesmo hora de buscar uma
recolocação. Uma boa estratégia pode ser a de definir — e comunicar — um prazo
limite. “Diga a seu gestor, ou
ao RH, que você está disposto a esperar mais três meses por alguma mudança.
Deixe claro que, se nenhuma mudança ocorrer, sua saída será inevitável”, diz
Claudia Elisa, do Grupo Pão de Açúcar. “Quem entrega resultados e se sente intoxicado pelo chefe
deve sair debaixo dele o mais rápido possível”, diz Marco Tulio, da
Fundação Dom Cabral. O alerta é para o bem da sua carreira e também da sua
saúde. Se demorar demais, você poderá acabar viciado.
“Chefe tóxico é quem vai atrás do resultado certo da forma errada.”
CLAUDIA ELISA SOARES, diretora de RH do Grupo Pão de Açúcar
“É o individualista que só se preocupa com o próprio resultado.”
FELIPE WESTIN, diretor da Right Management
“Quem acha que as pessoas são descartáveis e substituíveis.”
LUCIARA BATISTA LUBRAND, leitora da VOCÊ S/A
“Aquele que atinge metas apesar das pessoas, e não por meio delas.”
MARCELO DE LUCCA, diretor executivo da Michael Page
“Quem não sabe o limite entre a pressão e o desrespeito.”
MARCO TULIO ZANINI, professor da Fundação Dom Cabral
“Felizmente é uma espécie em extinção nas grandes empresas.”
MARIA LÚCIA GINDE, diretora de RH da Kimberly-Clark
“É quem só dá ordens, chefia pelo terror, e não pela motivação.”
RODRIGO DRYSDALE, diretor de marketing da Warner Bros
“Quem nega os valores da empresa com o próprio comportamento.”
ROLANDO PELLICCIA, diretor do Hay Group
“Aquele que sufoca e não deixa nenhuma pessoa atingir os resultados.”
THIAGO GROSSI, leitor da VOCÊ S/A
9 . REFERÊNCIA
BOTTONI,
Fernanda.Como Lidar Com Chefes Toxicos.
VOCÊ S/A. Editora Abril: São Paulo: 2007. Disponível em: <http://dc245.4shared.com/doc/vXKNzOV-/preview.html>
. Acesso em 18 de fevereiro de 2012.